segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Locação de curta duração


Locação de curta duração


As pessoas são criativas e tentam da melhor maneira possível suprir suas necessidades. Nem sempre existem leis claras ou adequadas ao momento em que se vive – ou em que delas se necessita, o que levou o fundador do Instituto da Liberdade e Democracia, Hernando de Soto ( O Mistério do Capital) a assinalar que “o fracasso da ordem legal em manter o passo com essa estonteante convulsão econômica e social” leva a população a construir soluções que “não contém códigos misteriosos a serem decifrados. Suas representações nada têm a esconder; foram projetadas para serem reconhecidas pelo que são”. Em outras palavras, a sociedade finda resolvendo seus problemas.
A criatividade, porém, é por vezes levada ao Judiciário (e, consti- tucionalmente, nada há de escapar a sua análise e decisão, o que sem dúvida é muito positivo). É o caso das rapidíssimas locações nos condomínios edilícios, tema que exige análise à luz da lei das locações, do código civil, quiçá da legislação atinente à hospedagem (sem jamais nos afastarmos das imposições tributárias).
A jurisprudência está ou não permitindo as locações de curta duração nos condomínios edilícios? Devem ser feitos alguns alertas: primeiro, a posição de hoje não é, obrigatoriamente, a de amanhã, pois as interpretações evoluem – ou devem evoluir; segundo, ainda não existe tendência sedimentada, pois esses litígios são novos – ao menos sob a perspectiva dos tribunais – e ainda não existe estatística sólida a respeito; terceiro, estudiosos estão debatendo e a com- preensão sobre essa novidade ainda vai se desenvolver, como evoluiu o entendimento sobre o uso de aplicativos, das movimentações financeiras pela internet, das compras à distância etc. Em outras palavras: vamos reler este comentário daqui a um ano e certamente, estará desatualizado, exceto quanto a esta previsão.
Pois bem, temos decisões favoráveis e contrárias. Um exemplo de decisão judicial favorável ao locador (em outras palavras: prestigiando o condômino em detrimento da vontade daquele condomínio) foi relatada pelo desembargador João Batista Vilhena, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele averiguou que a Convenção de condomínio não continha “referência impeditiva de locação por temporada”, assunto que não poderia ser tratado no “Regimento Interno, que é sede inadequada para instituir limitação não prevista na Convenção Condominial”. E conclui que aquele condômino, proprietário de sete unidades poderia, sim, contratar a “locação por temporada que não é incompatível com os fins residenciais das unidades condominiais de propriedade”. Foram prestigiados o direito de propriedade e a necessidade de restrições serem claramente previstas em Convenção. E, importante: a locação por temporada não desnaturou o caráter residencial do condomínio.
Em outra decisão, desta vez contra o condômino, o desembargador Fernando Chagas, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entendeu que a locação por temporada fora vetada em Assembleia Geral (que, portanto, teria tal competência), admitindo a imposição de “multa para o condômino que destinar o apartamento para finalidade diversa do prédio, que é residencial”. Ou seja, a locação por curto período já não consistiria singelo exercício do direito de propriedade, mas um negócio.
E, existe jurisprudência que enfrenta diretamente as regras de convivência no condomínio, como um julgamento conduzido pelo desembargador Luiz Abra, também do Tribunal de Justiça paulista, que validou a limitação de ocupantes por unidade locada e a exigência de que o locador forneça os dados dos locatários ao condomínio, pois essa exigência era feita “sem interferir no direito de propriedade dos autores, apenas fixou regra para casos específicos, estabelecendo, como lhe era permitido até mesmo por imperativo de segurança e do bom nome do edifício, diretrizes para hipóteses de empréstimo ou locação a terceiros estranhos ao quadro de proprietários do condomínio”. Logo, que se alugue, mas se preserve o direito dos demais condôminos ao sossego e à segurança.
A diversidade dos entendimentos vistos neste passeio há de perdurar por um bom tempo, e alguns cuidados são convenientes: não havendo previsão na Convenção, o assunto deverá ser cuidado no Regimento Interno ou em Assembleia, estabelecendo-se regras que certamente serão válidas (se pouco, diante da notória falta de segurança por ineficiência do Estado): a imposição da identificação de cada locatário, a comunicação do período de locação, a limitação da quantidade de pessoas em coerência com o edifício, e assim por diante. Afinal, o que for combinado não sairá caro para ninguém e a convivência se manterá em padrão razoável.

Fonte:http://www.pressreader.com/brazil/o-estado-de-s-paulo/20171001/282930975561317

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