quarta-feira, 28 de maio de 2014

Empresas devem ficar atentas à aplicação da Lei Anticorrupção

Empresas devem ficar atentas à aplicação da Lei Anticorrupção

Em vigor desde 29 de janeiro deste ano, a Lei 12.846/2013 passa a penalizar as companhias envolvidas em atos de corrupção, mesmo que a infração tenha sido motivada por atitude isolada de funcionário ou servidor público 19/05/2014
Empresas devem ficar atentas à aplicação da Lei Anticorrupção
Ministro Moura Ribeiro: "a corrupção é uma moléstia, que só pode ser tratada pela educação"
 
Dia 9/5, na sede do Secovi-SP, mais de 120 pessoas estiveram presentes ao seminário Os Benefícios da Nova Lei Anticorrupção, realizado pelo Sindicato com apoio da Abrainc e Fecomercio. O público acompanhou atentamente as palestras do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Dias de Moura Ribeiro, do Controlador Geral do Município, Mário Spinelli, e da advogada Fernanda Ferrari Pompeu de Toledo, sócia do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados Associados.
A Lei 12.846/2013, que está em vigor desde 29 de janeiro último, passa a penalizar as empresas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública nacional ou internacional, a despeito do que ocorria anteriormente, quando era possível alegar, caso fossem flagradas em alguma prática ilícita, que a infração tinha motivação por atitude isolada de um funcionário ou servidor público.
As empresas podem, inclusive, ser submetidas a processos civis e administrativos, com previsão de pagamento de multas que variam de 0,1% a 20% do faturamento anual bruto. A penalidade pode chegar, até mesmo, à ordem judicial de fechamento da empresa.
Jeitinho brasileiro – Moura Ribeiro esclareceu que a Lei Anticorrupção faz parte de um “concerto de tantas outras leis para evitar o ilícito”. A primeira delas é a Constituição de 1988, que trata amplamente dos direitos e das garantias individuais, cuja divisão faz-se em cinco espécies: artigo 5º (direitos e deveres individuais e coletivos), artigo 6º (diretos sociais), artigo 12º (nacionalidade), artigo 14º (direitos políticos, com sufrágio), artigo 17º (existência de partidos políticos como canais de desenvolvimento da cidadania).
O ministro explicou que os direitos e as garantias fundamentais estão divididos em primeira, segunda e terceira geração: “Os de primeira geração são os direitos públicos; os de segunda, com viés para os direitos sociais e culturais – tratam de menoridade, declarações de direito do homem, velhice; e os de terceira geração são aqueles voltados para a fraternidade, solidariedade, o meio ambiente equilibrado, em suma, o direito de ser feliz. Os direitos de terceira geração sintetizam o que temos de ideia da dignidade da pessoa humana, que nasceu em 1945 com a Organização das Nações Unidas”.
Dados históricos – Durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas, no “Estado Novo”, houve um grande movimento da sociedade, que resultou em avanços no direito do trabalho e no campo social, além da Constituição de 1937, que tratou dos direitos com lastro na dignidade humana e na justiça eleitoral. A Constituição de 1946, por sua vez, teve uma amplitude maior, consagrando o direito de greve.
“A Carta Magna de 1988 traz expressamente em seu preâmbulo a defesa da sociedade fraterna, do estado democrático de direito que assegura o exercício dos direitos sociais, como liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade, justiça, sociedade sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida internacionalmente com a solução pacífica das controvérsias”, citou o ministro do STJ.
Em seu artigo 170, a Constituição fixa ideias básicas de capitalismo, produção, livre concorrência, defesa intransigente do consumidor, do meio ambiente e redução das desigualdades. Já no artigo 173, esses conceitos são assentados no parágrafo 4º, que trata da eliminação da concorrência com aumento arbitrário dos lucros (formação de cartéis). O artigo 174, por sua vez, admite a intervenção reguladora do Estado, por meio de uma política tarifária e a obrigação de manter um serviço público adequado. “Além disso, temos de mencionar a regra do artigo 119, que faz a opção pela economia e pelo incentivo do mercado interno”, completou Moura Ribeiro.
Combate ao ilícito – O ministro do STJ mencionou todo o regramento constitucional a fim de ressaltar os inúmeros regramentos internos no combate à corrupção. “Também, a ordem econômica do Brasil é partícipe de vários tratados para afastar formas ilícitas que possam perturbar o desenvolvimento econômico”, disse, citando o tratado do crime organizado, da delação premiada, as leis dos crimes hediondos, da ordem tributária e de lavagem de dinheiro.
No campo internacional, o Brasil é signatário, por exemplo, da Convenção Interamericana Contra a Corrupção (OEA, internalizada pelo Decreto 4.410/2012), da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (CNUCC, internalizada pelo Decreto 5.687/2006) e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, OCDE, internalizada pelo Decreto 3.678/2000).
“Por que precisamos de tantas regras? Porque a corrupção é um fator de desigualdade e descrédito nas instituições públicas. Ela emperra o crescimento social e econômico. Há de se prevenir essa doença com a educação. As leis vêm para combater os ilícitos, que geram frustração, aumentos de custos e afetam a economia de mercado, que o Brasil adora”, opinou o ministro do STJ.
Fim da punibilidade – A delação premiada surge na Lei 12.846/2013 como acordo de leniência. Esse mecanismo surgiu nos anos 2000, com Lei 10.149, que transformou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em uma autarquia.
Na Lei de Defesa da Concorrência, a “lei dos cartéis” (Lei 8.884/1994, alterada em 2000 e 2007), a repressão é feita no âmbito administrativo. Ela incube ao CADE investigar e punir os cartéis e prevê um compromisso de cessação ao delator, que também paga uma contribuição ao Fundo de Direitos Difusos. Segundo Moura Ribeiro, esse acordo visa a encorajar o membro do cartel à delação de seus comparsas. “Sob a perspectiva jurídica, isso pode ser bom ou ruim. Bom, porque há encurtamento das investigações e o Estado gasta menos dinheiro. O aspecto negativo do acordo de leniência é um possível incentivo às ideias de junções para fraudes, tendo em vista a possibilidade legal de redução da multa ou até mesmo de anistia”, asseverou o ministro.
Previsto no artigo 86 da Lei de Defesa das Concorrências, o acordo de leniência suspende o curso do prazo prescricional e impede o oferecimento de denúncia criminal. O CADE é quem decide se o acordo foi cumprido, podendo, inclusive, cancelar o processo, extinguir punições até dos crimes contra a ordem financeira. Neste artigo ficam estabelecidos os requisitos para o acordo de leniência. “A empresa ou pessoa que primeiro se apresentar no CADE, demonstrando arrependimento, disposição de deixar a prática da conduta denunciada e colaborar com a investigação, poderá se beneficiar com um acordo”, disse Moura Ribeiro.
Essa confissão não tem valor jurídico e, na avaliação do ministro, afronta o Código Civil no aspecto das provas (artigo 212). “A extinção automática da punibilidade é estranha para nós. Estamos abrindo mão de a jurisdição decidir, o que é absolutamente incompatível. Aqui, o CADE tem competência para celebrar esse acordo de leniência, sem que as autoridades administrativas tenham as prerrogativas do Ministério Público e da magistratura”, reclamou o ministro do STJ.
“No CADE, as pessoas são convocadas para trabalhar por um curto espaço de tempo e levam consigo informações privilegiadas, acordos sigilosos que estão em andamento. Enquanto o MP é titular da ação penal e se encontra sob a vigilância do poder Judiciário. O CADE não é titular de coisa nenhuma, é um mero aplicador de lei na defesa de concorrência, tutela direitos de coletividade, e dela recebeu a incumbência de se compor com criminosos. Composição que pode resultar na extinção automática da punibilidade”, ressaltou.
Novo viés – Uma das características positivas da Lei Anticorrupção é que ela mudou esse viés, ou seja, o legislador não confundiu as esferas administrativa e penal e não excluiu o Ministério Público. Conforme Moura Ribeiro, seu objetivo legal é combater as práticas ilícitas pela desconsideração da personalidade jurídica das empresas fraudadoras, estimulando a denúncia espontânea e a obtenção de dados dos ilícitos, que demorariam a ser investigados.
“Entendo, porém, que a corrupção é uma moléstia, que só pode ser tratada pela educação. Ela prejudica o desenvolvimento politico e econômico; e traz desigualdade e descrédito nas instituições públicas. Evitando-a, irá emergir um notório benefício para a sociedade”, opinou o ministro do STJ. Para ele, as empresas devem se unir e divulgar junto a seus funcionários esta legislação e outras que visam a evitar fraudes e ilícitos coletivos. “Criar-se-ia uma nova mentalidade, avessa ao suborno, com prevalência da legalidade e da transparência”, concluiu.
Recomendação – De acordo com pesquisa realizada pela KPMG e apresentada pelo Controlador Geral do Município de São Paulo, Mário Spinelli, 63% das empresas pesquisadas disseram que participariam de esquemas de corrupção e 80% afirmaram que as concorrentes pagam propina. Para ele, a Lei 12.846/2013 vai ao encontro de um esforço internacional para promover a integridade entre o poder público e a iniciativa privada. “Na Alemanha, as empresas podiam deduzir no Imposto de Renda os recursos usados para pagamento de propinas”, ressaltou Spinelli.
A Lei Anticorrupção, criada para atender uma recomendação explícita da OCDE, que também fez a mesma sugestão para Argentina e Irlanda, tem o objetivo principal de responsabilizar as empresas que, comprovadamente, estejam envolvidas com atividades ilícitas, independente de dolo e culpa. “As empresas da construção civil ainda não acordaram para o impacto desta lei. As companhias podem ser dissolvidas! O acordo de leniência é fundamental. Recomendo que denunciem práticas de corrupção aos órgãos de controle, para terem penalidades abrandadas”, recomendou Spinelli.
Alguns pontos da Lei dependem de regulamentação e Spinelli garantiu que, nos próximos meses, a Prefeitura vai publicar Decreto definindo quem poderá instaurar e julgar processos de corrupção, qual será o rito processual e quem terá capacidade de celebrar acordos de leniência. “Inicialmente, todas as secretarias podem instaurar um processo, mas pretendemos restringir essa capacidade aos especialistas, para que as empresas fiquem seguras e a lei não seja um foco de corrupção”, analisou o Corregedor.
Spinelli falou das dificuldades de controlar as práticas de corrupção em um município que, ao mesmo tempo, tem o 10º maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo e 500 mil famílias pobres. “Até o ano passado, a prefeitura não tinha um órgão de controle. E eu peço que o setor dos senhores, que tem forte compromisso social e com o desenvolvimento econômico do Brasil, confie na Controladoria. As empresas não podem conviver pacificamente com a corrupção”, concluiu.
Prevenção – “A empresa vai ter de mudar a forma de fazer negócios porque, se tiver algum benefício, será punida administrativa e criminalmente, com responsabilidade solidária. Além das multas, terá de reparar danos e será registrada no cadastro de empresas investigadas”, esclareceu Fernanda Ferrari Pompeu de Toledo, sócia do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados Associados.
Apesar de autoaplicativa, os parâmetros da Lei que definem as sanções aos ilícitos praticados precisam de regulamentação, a fim de garantir a própria segurança jurídica da legislação. “Há atos de corrupção complexos”, justificou Fernanda.
Na avaliação da advogada, educar a sociedade quanto às premissas da Lei Anticorrupção é a única forma de proteção. Nesse sentido, ela recomenda a criação de uma equipe de compliance nas companhias, que deve ser seguido por todos, a começar pela diretoria.
Esse programa de compliance deve prever a avaliação periódica dos riscos assumidos pela empresa; e a adoção de um código de ética e de conduta, elaborado com linguagem simples, para que todos os funcionários compreendam o seu teor.
Ainda, a companhia deve treinar e capacitar seus colaboradores para exercerem o discernimento, e manter um canal aberto para o esclarecimento de dúvidas. “Será que a entrega de brindes e o pagamento de almoços são formas de corrupção? Isso deve ficar bem claro no código de ética”, recomendou Fernanda.
O trabalho de compliance deve conter o treinamento permanente das equipes, com atualização periódica do código de ética para que o conceito “não faça a coisa errada” mantenha-se vivo, conforme orientação de Fernanda.
Até que esses novos conceitos sejam fortalecidos internamente, deve-se privilegiar o canal de comunicação, inclusive para denunciar, anonimamente, o “colega do lado”. Após a avaliação das denúncias, a conclusão das investigações e a aplicação da punição, o denunciante deve ser informado do resultado do processo.

“O trabalho dos prestadores de serviços também deve ser acompanhado. Não vi a possibilidade de absolvição da empresa, mas o compliance pode amenizar a aplicação da multa”, concluiu Fernanda.

 
Fonte:http://www.secovi.com.br/noticias/empresas-devem-ficar-atentas-a-aplicacao-da-lei-anticorrupcao/7854/
 
 

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